sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Eu costumava frequentar um salão de beleza todo sábado de manhã em João Pessoa. Naquele horário, havia também a esposa de um Juiz de Direito que frequentava o mesmo ‘antro internacional da fofoca’ e dividia suas angústias (já há bastante tempo, diga-se) sobre a dificuldade de engravidar. Eu não sabia o nome da senhora, mas a foto do útero dela eu já tinha visto, quando o resultado da histerossalpingografia passou de mão em mão para quem quisesse (ou não) ver.
Um belo dia, eu digo para a manicure:
-Segunda-feira de madrugada viajarei para Belo Horizonte.
Era o começo do fim. A dona do útero ouve e diz:
-Vai para BH?! Você pode fazer um favor para mim? Tem um exame específico que só pode ser feito em um laboratório de lá. Você pode levar o material para mim?
Eu fico muda, vermelha, sem jeito. Penso na minha mãe que me ensinou ‘a nunca levar nada de estranhos’. Mas a senhora não era literalmente ‘uma estranha’. Era daquelas ‘estranhas conhecidas’. Daquelas ‘estranhas conhecidas’ e insistentes:
- Leva, leva, por favor! Eu te dou o endereço em BH e você entrega no laboratório. Passe o seu número de telefone e eu deixo o material na sua casa. O vôo é de madrugada? Olha, chegando em BH tem que correr para o laboratório, porque o material só pode ficar 5 horas in natura.
Eu juro que tentei me esquivar. Na véspera da viagem procurei não atender o telefone. Entretanto, aprendi (a duras penas) que não se deve subestimar uma mulher com vontade louca de engravidar. Elas te encontram nem que seja no aeroporto. Para te entregar... o material.
Mas não é um material qualquer, um tubinho de ensaio ou uma parte tirada de um tecido algures no corpo (o que, por si só, já seria um problema para ser levado no avião).
O material biológico em questão tratava-se do sêmen do digníssimo magistrado colhido ‘agorinha mesmo, a enfermeira foi lá em casa ajudar o meu marido’ - a senhora fez questão de me explicar.
Naquela altura, eu não sabia o que pensar e tive sorte de não saber os detalhes da ajuda que aquela profissional de saúde prestou ao digníssimo juiz.
Sabe quando dizem que entramos num caminho sem volta? Pois é. Eu sei...
Como é que eu faria para negar levar a porra (literalmente) do pacote?
E lá vou eu, com o pacote do sêmen de Vossa Excelência nas mãos. Alguns milhares de magistradinhos que jamais nascerão, mas tiveram o privilégio de sair da sua ‘casinha’ e fazer uma viagem de 2.800 Km de avião por esse Brasil afora.
O pacote era curioso. Bem embalado. Caixinha de isopor, sacola plástica por fora. E só posso dizer isso pois, obviamente, não abri.
A senhora do raio-X do aeroporto talvez pudesse ajudar a desvendar o mistério de como aquilo estava embalado por dentro, pois a caixinha foi e voltou, foi e voltou, foi e voltou, até que eles decidiram que não era nenhuma bomba, enquanto eu tinha uma experiência de quase-morte e pensava:
‘E agora?! Como é que eu vou explicar isso para a INFRAERO?!
Graças à Nossa Senhora da Fertilidade eu e ‘o pacote’ embarcamos para Belo Horizonte. Mas depois de 3h30min de vôo a história não acaba por aqui. Lembrem-se do detalhe: ‘Olha, chegando em BH tem que correr para o laboratório, porque o material só pode ficar 5 horas in natura’.
O aeroporto fica a 56 Km do laboratório e o trânsito de Belo Horizonte é muito ruim pela manhã. Encontrei no aeroporto um amigo que vivia perto do laboratório e perguntei se ele não poderia deixar o pacote lá. Tive uma ‘sorte da porra’! (a expressão deve ter surgido de alguém que passou pela mesma situação que eu).
O exame chegou em segurança no laboratório. Horas depois, meu amigo telefona e diz:
- Quando eu entreguei o exame, a senhora da recepção fez algumas perguntas estranhas. Perguntou como eu fiz a coleta, quando eu colhi o material, detalhes sobre o procedimento... Eu disse que o material não era meu. Você sabe o que tinha no pacote?
- Sei. É uma longa história. Um dia eu te conto...
- Não me diga que é mais uma daquelas suas histórias de merda...
-Não, não é uma história de merda... Eu prometo que essa é uma história do caralho!


p.s.: Peço desculpas pelo linguajar chulo, que não faz parte do meu vocabulário. Entretanto, para ser fiel à realidade, não tive opção.

Um comentário: