sexta-feira, 27 de maio de 2011

Lei fluminense que regula briga de galo é inconstitucional, decide STF

Nos casos que envolvem a prática cultural com utilização de animais, há que sopesar o lazer e tradição e o bem ambiental constituído pelos espécimes, conferindo preponderância a um deles, em detrimento de outro. No Brasil, a briga de galo parece-nos inconstitucional e, acertadamente, assim o STF se pronunciou ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1856, que considerou inconstitucional a Lei estadual nº 2.895/98, do Rio de Janeiro, que autoriza e disciplina a realização de competições entre galos combatentes.

Os bens ambientais não se afiguram como valor absoluto e prevalecente sobre os demais valores constitucionais. Porém, a rinha de galo e as normas que pretendem regulamentá-la contrariam a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois não têm finalidades socialmente relevantes (artigos 5º, XXIII; 170 III e VI; 215, §1º; 216, §4º; 225, §1º), não condizem com a dignidade humana (artigo 1º, III), não contribuem para construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I) e submetem os animais silvestres a crueldade (artigo 225, §1º, VII).


A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao vedar condutas que submetam os animais à crueldade, não se refere a qualquer ato praticado contra os animais, mas aqueles desnecessários, inúteis, injustificáveis, repugnantes, caracterizados pela ausência de motivos adequados ou pelo impulso torpe ou fútil em satisfazer um desejo mórbido de ver o animal agonizando.


Se é certo que o Estado brasileiro tem a obrigação de garantir a todas as pessoas o pleno acesso e exercício dos direitos culturais, além de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais (artigo 215 da Constituição), também é salutar que essas práticas venham para engrandecer a democracia e a solidariedade interespecífica. A rinha de galo não faz parte da prática cultural brasileira.


A fauna selvagem, como bem ambiental, constitui um fator de ponderação nas decisões políticas, legislativas e executivas. A fragilidade desse bem natural faz com que este prevaleça sobre os alegados interesses lúdicos proporcionados pelo 'esporte' rinha de galo.


A briga de galo não faz parte da tradição do povo brasileiro. Tal atividade é praticada esporadicamente por um grupo cada vez mais restrito de pessoas. Ao contrário da tradição, hábitos não devem ser incentivados e não servem como critério de ponderação, nem prevalecem sobre os interesses ecológicos. Qualquer norma legal que admita a rinha de galo fundamentada na tradição é incompatível com o processo civilizatório brasileiro.

Os Ministros, por unanimidade, julgaram a ADI procedente, pelo quê passo agora a citar a notícia:


O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a Lei estadual nº 2.895/98, do Rio de Janeiro, que autoriza e disciplina a realização de competições entre galos combatentes. A questão foi discutida na análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1856, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e julgada procedente pela unanimidade dos ministros da Corte.

Para a PGR, a lei estadual afrontou o artigo 225, caput , parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, nos quais sobressaem o dever jurídico de o Poder Público e a coletividade defender e preservar o meio ambiente, e a vedação, na forma da lei, das práticas que submetem os animais a crueldades. Conforme a ação, a lei questionada possibilita a prática de competição que submete os animais a crueldade (rinhas de brigas de galos) em flagrante violação ao mandamento constitucional proibitivo de práticas cruéis envolvendo animais.

Julgamento

Para o ministro Celso de Mello, a norma questionada está em situação de conflito ostensivo com a Constituição Federal, que veda a prática de crueldade contra animais. O constituinte objetivou com a proteção da fauna e com a vedação, dentre outras, de práticas que submetam os animais à crueldade assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e laboral, salientou.

Ele recordou que este é o quarto caso similar apreciado pela Corte. Observou que a lei fluminense é idêntica a uma lei catarinense declarada inconstitucional pelo Plenário do Supremo no exame da ADI 2514. A jurisprudência do Supremo mostra-se altamente positiva ao repudiar leis emanadas de estados-membros que, na verdade, culminam por viabilizar práticas cruéis contra animais em claro desafio ao que estabelece e proíbe a Constituição da República, disse.

De acordo com o relator, as brigas de galo são inerentemente cruéis e só podem ser apreciadas por indivíduos de personalidade pervertida e sádicos. Ele afirmou que tais atos são incompatíveis com a CF, tendo em vista que as aves das raças combatentes são submetidas a maus tratos, em competições promovidas por infratores do ordenamento constitucional e da legislação ambiental que transgridem com seu comportamento delinquencial a regra constante.

Dever de preservar a fauna

O respeito pela fauna em geral atua como condição inafastável de subsistência e preservação do meio ambiente em que vivemos, nós, os próprios seres humanos, destacou o relator. Cabe reconhecer o impacto altamente negativo que representa para incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos a prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna, seja colocando em risco a sua função ecológica, seja provocando a extinção de espécies, seja ainda submetendo os animais a atos de crueldade, completou Celso de Mello.

O ministro assinalou que o Supremo, em tema de crueldade contra animais, tem advertido em sucessivos julgamentos que a realização da referida prática mostra-se frontalmente incompatível com o disposto no artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição da República. Ele citou como precedentes o Recurso Extraordinário (RE) 153531 e as ADIs 2514 e 3776, que dispõem não só sobre rinhas e brigas de galo, mas sobre a farra do boi.

Esporte e manifestação cultural

O relator afirma que, em período anterior à vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo em decisões proferidas há quase 60 anos já enfatizava que as brigas de galos, por configurarem atos de crueldade contra as referidas aves, deveriam expor-se à repressão penal do Estado.

Assim, naquela época, a Corte já teria reconhecido que a briga de galo não é um simples esporte, pois maltrata os animais em treinamentos e lutas que culminam na morte das aves. O Supremo, conforme o ministro Celso de Mello, também rejeitou a alegação de que a prática de brigas de galo e da "farra do boi" pudessem caracterizar manifestação de índole cultural, fundados nos costumes e em práticas populares ocorridas no território nacional.

Celso de Mello ressaltou ainda que algumas pessoas dizem que a briga de galo é prática desportiva ou como manifestação cultural ou folclórica. No entanto, avaliou ser essa uma patética tentativa de fraudar a aplicação da regra constitucional de proteção da fauna, vocacionada, entre outros nobres objetivos, a impedir a prática criminosa de atos de crueldade contra animais.

Além da jurisprudência, o entendimento de que essas brigas constituem ato de crueldade contra os animais também seria compartilhado com a doutrina, segundo afirmou o ministro Celso de Mello. Conforme os autores lembrados pelo relator, a crueldade está relacionada à ideia de submeter o animal a um mal desnecessário.

Repúdio à prática

Os ministros, à unanimidade, acompanharam o voto do relator pela procedência da ADI. O ministro Ayres Britto afirmou que a Constituição repele a execução de animais, sob o prazer mórbido. Esse tipo de crueldade caracteriza verdadeira tortura. Essa crueldade caracterizadora de tortura se manifesta no uso do derramamento de sangue e da mutilação física como um meio, porque o fim é a morte, disse o ministro, ao comentar que o jogo só é valido se for praticado até morte de um dos galos.

Os galos são seres vivos. Da tortura de um galo para a tortura de um ser humano é um passo, então não podemos deixar de coibir, com toda a energia, esse tipo de prática, salientou. Ele também destacou que a Constituição Federal protege todos os animais sem discriminação de espécie ou de categoria. Já o ministro Março Aurélio analisou que a lei local apresenta um vício formal, uma vez que o trato da matéria teria que se dar em âmbito federal.

Por sua vez, o ministro Cezar Peluso afirmou que a questão não está apenas proibida pelo artigo 225. Ela ofende também a dignidade da pessoa humana porque, na verdade, ela implica de certo modo um estímulo às pulsões mais primitivas e irracionais do ser humano, disse. Segundo o ministro, a proibição também deita raiz nas proibições de todas as práticas que promovem, estimulam e incentivam essas coisas que diminuem o ser humano como tal e ofende, portanto, a proteção constitucional, a dignidade do ser humano.

Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2706120/lei-fluminense-que-regula-briga-de-galo-e-inconstitucional-decide-stf

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